quinta-feira, 22 de abril de 2010

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'Capítulo Segundo - A Espera'

'Só mesmo um tranco desses pra me acordar.' Esses remédios controlados me deixam com um sono tão acumulado e pesado, que qualquer parede que me recosto vira canto pra me recolher e dormir. Eu devia estar tão cansada hoje que nem percebi que descansava na cadeira verde-musgo a muito tempo desocupada. Não sei nem como fui parar sentada aqui. Estranho. Parece que o andar 1 está com o botão travado. Mas tudo bem, como já disseram outros, é preciso dar continuidade as coisas.
Algum tempo depois de apertar o botão 2 -e que prazer o apertar dos botões me faz sentir-, algumas viagens na minha cabeça e recordações imaginárias, a porta se abriu. Gosto do som que escuto quando empurro os portões enferrujados e da sensação de pisar no chão pela primeira vez.
Dessa vez meu pé pinica porque o carpete verde-escuro já está velho e sujo. E ele cheira a muitas coisas. Cheira a brincadeiras e histórias. Tudo me parece muito familiar, e a sensação que a pele sente é de ambiente natural, de habitat. Sinto que como nunca antes, já estive aqui. O corredor vai ficando cada vez mais largo a cada passo que embrenho-me, e vão surgindo coisas que eu sei que já vi outrora. Milhões de coisas materiais, coisas materiais demais, coisas que foram me confundindo a cabeça. Dois passos adentro do corredor e já haviam muitas coisas o suficiente para tocar o teto. E foi só fechar os olhos por alguns instantes para ver a mente clarear e começar a enxergar por detrás daquela montanha de coisas.
Por detrás de um monte de móveis antigos e brinquedos – muitas coisas demais- eu vi uma família. Gente que notavelmente esperava no final do corredor. Eram 5, eles. Um homem e uma mulher mais velhos, ela loira, ele moreno de pele clara e três novos meninos. Um loirinho de olhos azuis, um moreno de pele clara que muito se parecia com o pai e um, o mais velho que muito parecia ser dono de todos os outros irmãos.
Eles estavam lá, atrás de todos aqueles móveis e brinquedos, abraçados, e sorriam muito, e pareciam à espera de algo ou alguém. (Penso que pela emoção que exalava o olhar era uma pessoa muita querida que estava pra chegar.)
Fui caminhando vagarosamente, passo a passo, três e quatro, sem fazer estardalhaço, -já que os móveis estavam equilibrando-se uns nos outros- qualquer movimento errado ia levá-los ao chão. Meu olhar estava trêmulo tal como minha mão e respiração e a cada passo dado, cada segundo mais próximo deles eu mais temia tudo: Era aquilo real? Eles me fariam bem ou mal? Quem eles estavam esperando? O que viria a seguir?
Em disparate, jogando tudo pro ar, eis que surge, correndo, em um vestido cor-de-rosa uma menininha morena, de cabelos negros e ondulados, presos ao alto da cabeça. Ela sorria muito e cantarolava algo que não me recordo agora, e passou por mim tão depressa que nem sequer reparou que eu também estava ali.
E ela foi direto ao encontro daquela gente que esperava.
Naquele momento eu tive certeza, que se não fosse ela que eles esperavam; a espera não tinha mais sentido para mim.

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