sábado, 17 de abril de 2010

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'Capítulo Primeiro - O andar 1'

É um solavanco e tanto que paralisa o Elevador. O barulho de portão de ferro-enferrujado parece sinfonia debussyana aos meus ouvidos. Eu não tenho pressa do que virá, cada minuto dentro daquele cubículo protetor é simplesmente a vida, plenamente. Contrária a mim, como sempre, eu ponho pra fora o pé esquerdo. E de esquerdo eu adentro o primeiro andar. Avisto de pronto um corredor grande (e breve) e posso sentir um cheiro de coisa muito antiga. O odor está em todas as partes, do teto ao chão. Parece até que esse odor tinha tomado conta de mim. O corredor é quente, imensamente abrasador, de paredes bege ou creme, e há um carpete vermelho-vivo no chão. O escapamento de canos e a parte elétrica desse andar está toda a mostra. Nas paredes caminham linhas vermelhas e azuis sendo as pretas em menor quantidade, no entanto, mais grosseiras. No fim dele, lá no fim eu avisto a porta 1.
Da porta 1 soa um ruído. Desses que não costumam me agradar aos ouvidos. Um desses ruídos que me convida a entrar, mas enche meu imaginário de medos. O barulho é alto, som de porta emperrada, que entreabre-se a mim e com toda a certeza do universo (que me toma em instantes) eu sei que devo adentrá-la. De lá surge uma luz. Pequena faixa de luz, suave e difusa. Sou guiada por ela e até ela eu vou.
Os passos que me seguem a seguir são os mais calmos que eu já pude caminhar. Sinto que meu olho vai registrando cada minúcia que vê e ainda que eu saiba da luz no final do corredor eu não posso correr. Cada passo fica mais quente. E tudo parece, a cada pé, mais íntimo. Mais protetor. Antes que eu pudesse notar que minha vista, já embassada, confundia os fios vermelhos com os azuis, eu reparava que o teto ia ficando mais alto, e minha proximidade de meus pés diminuía. Estava cada vez mais quente, mais quente e quase infernal. Quando nem mais pude me notar, eu estava me contorcendo em mim de modo a me proteger de tanto calor e tanta confusão. Restava um mínimo de consciência do que eu era – ou do que eu havia sido a alguns minutos atrás - e ali, a dois segundos da luz, um choro imenso saiu de dentro de mim, agudo e pesado, libertado e dolorido. Incontido. Uma mão, nitidamente feminina, unhas grandes, pele grossa e machucada, me acolheu – sim, nesse momento eu já cabia nas mãos de não-sei-quem- e meu choro ecoava até o final do corredor. Via o Elevador, com olhos que não sei quais eram. O Elevador estava lá, parado, a me esperar.
“Fecharam as portas” – era a única coisa que eu podia pensar já que o ruído acontecia novamente e o calor já não mais existia. E eu não via mais o Elevador. Por um momento, me senti cega, pois tudo que eu via era muito difícil de sentir ou explicar para mim. Chegava agora a sentir frio, não sei de que maneira eu tinha chegado a ficar nua, mas já não tinha importância a nudez ou o tecido. Eu via o rosto que me segurava com as mãos mas não conseguia decifrá-lo. Era como uma grande massa de mistério, era como o incodificável, o secreto.
O rosto, imenso e que da boca soprou um suspiro congelado, estava agora a um segundo de me devorar, ali, na desumana situação em que eu me encontrava, pequena e desamparada, quiçá minúscula do tamanho de grão de arroz. Percebi que no instante do retomar de uma consciência humana -do que fosse que acontecera naquele corredor, porta e primeiro andar- ela já se esvaia junto comigo, simultaneamente, e já de mim nada restava, eu estava reduzida a fumaça. Só existia a leve impressão de que a última coisa que eu sentira nesse mundo das sensações era meu corpo sendo levado em direção a escuridão congelada daquela garganta...

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