sábado, 17 de abril de 2010

A Menina e o Elevador

Cada andar que eu me atrevo a entrar, eis meu fardo. O Elevador, partindo do térreo 7andares acima, é uma surpresa constante. A cada andar, eu mudo. O Elevador, também.
Eu sou a menina do Elevador, daquele antigo e cheio de mistérios. Por algum motivo óbvio, ninguém o toma. Dizem que é assustador com suas portas antigas – e enferrujadas – e almofadadas paredes. Vejo-o como a perfeição. Perfeito em seu desuso, perfeito na capacidade de levar alguém a algum lugar. Ninguém se arrisca a tomá-lo porque também ele faz muito barulho e porque anda se deteriorando. Os farelos de construção antiga prestes a ruir caem do teto a cada andar que ele para. Isso tudo me soa naturalmente parte de mim. Nada me parece estranho, pelo contrário, o Elevador e tudo que o envolve é encantador.
Eu o tomo sempre de maneira ritual. Em saias envelope azul-céu (às vezes poderia jurar que vejo nuvens nela), numa blusa branca-amarelada em tecido molinho que fica embaixo do meu colete-moletom que está bem velhinho. São todas peças antigas, que eu comprei em algum brechó que me rendeu muita satisfação, já que minhas roupas antes mesmo de mim, estão cheias de histórias. Meus tênis azul-marinho está completamente desbotado e a sola e os cadarços estão aos pedaços. Está tudo se desintegrando em mim. A cada andar.
Os botões são lindos. Robustos. O apertar dos botões é um prazer inigualável já que pressioná-los parece não ter vim. E estão rígidos, parecem até em algum momento relutarem contra meu dedo. Alguns andares eu via meu indicador se marcar com a circunferência do botão. Era uma dor confortável. Era necessário sentí-la para continuar subindo.
No canto esquerdo do Elevador fica uma cadeira de assentos verde-musgo desbotados que parece a muito tempo em desuso. O botão vermelho-sangue de emergência – e aí eu me pergunto porque vermelho-sangue – é maior que todos os outros e fica logo embaixo do interfone. O interfone não funciona. É só se concentrar um pouco para notar que os fios derreteram por um motivo qualquer. Andar no Elevador é de certo, viver. Sem segundas chances, sem interfone, apenas da forma que a vida deve ser.
Gosto de entrar no Elevador e ficar no canto direito, com a sombrinha apoiada no chão. Nunca entra outra pessoa no Elevador, e eu sei que isso está longe de acontecer. Gosto de ficar sozinha. Passar pela experiência de experimentar sozinha me agrada.

Um comentário:

  1. Gostei muito do estilo da prosa também. Tem um excelente ritmo, vai crescendo, passo-a-passo, sem nenhuma pressa, nem lentidão. Não é um texto afoito, nem enfadonho. Parece não se apressar em dizer as coisas antes do tempo, nem fica enrolando com ornamentos vazios. A construção tem um tempo muito interessante mesmo, chama a atenção.

    No todo, os chamados capítulos, têm início, meio e fim, com bom desenvolvimento. As frases são muito bem construídas: dizem em uma medida apropriada e precisa, com excelente pontuação. Uma frase leva a outra.

    Gosto também da escolha dos termos. Para quem lê, ela parece bem natural. É como se o texto ditasse as palavras que devem ser usadas, ao invés de a definição ser da ordem do arbítrio de quem escreve. E isso é bem difícil de realizar. Por isso é ótimo!

    Na minha avaliação não seria por meio de palavras mais rebuscadas que a coisa ficaria mais interessante, pelo contrário. Com esse teu procedimento o texto brilha em intensidade e ganha força.

    Em "A Menina e o Elevador", falta o acento grave em às vezes: "(as vezes poderia jurar que[...]".

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