terça-feira, 11 de maio de 2010

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'Capítulo Terceiro - Eu perdi o andar 3'

Desde a primeira vez que pisei no Elevador, eu sabia que ele conservara algo de misterioso que eu não queria decifrar. A temporalidade das coisas – coisas essas que pareciam estar acontecendo comigo- estava cada vez mais confusa, e eu não sabia mais como distinguir o sonho da realidade.
Naquele dia –em que a espera fez sentido- eu fiquei ali, parada, plasmada naquele corredor 2 olhando aquele encontro sem cansar os olhos. De repente reparei que via entorno aquela visão uma moldura, quase como se aquela imagem fosse uma pintura, ou uma fotografia... era uma forma muito bonita de imaginar e enquadrar uma família feliz. Percebi que meu rosto estava quente, e dava-me conta de que o corredor parecia estar rodeado de chamas, chamas de fogo, que ardiam em uma excitação feliz, uma alegria movimentada. O tempo, parecia passar, e lá pelas tantas eu já estava muito sonolenta. Resolvi me aproximar mais à frente –ainda que essas noções me parecessem confusas aos olhos- e deitar-me numa cama que parecia não se escorar em móvel algum. Cama essa que parecia pedir por alguém com sono. Dali, deitada no macio travesseiro e sob o colchão florido de azul, de perto eu via acontecer a família, sem que ninguém me notasse... E, antes que eu percebesse, havia adormecido aos braços de Morpheu.
- Rê? Você está se sentindo bem?
- Hum.. Mas quem é você? E como sabe meu nome?
Acabava de acordar de um sono pesado e sentia dores de cabeça. Não estava ententendo nada.
- A verdade é que eu sei muito mais que seu nome.
- Você pode me explicar melhor? Da onde você vem? Estou muito confusa.
- Calma, olha, a verdade é que eu não precisaria te dar todas essas explicações se você não perdesse a hora. Esse sono está além do limite, você ficou dormindo aí não sei quanto tempo que perdeu o horário do terceiro andar.
- Er.. Mas como assim, horário do terceiro andar?
Nessa hora, eu mal podia acreditar nas coisas que ouvia. Primeiro, quis me certificar de que aquilo não era um sonho. Mas percebi que não tinha como fazer isso. Depois, tomei consciência de que alguém no mundo, além de mim, sabia da realidade das coisas minhas... ou seria o Elevador coisa do mundo? E mais, o Elevador funcionava com horário. Haviam regras, horas. Meu mundo estava de cabeça para o ar. Que coisa.
- É, Rê, não se faça assim de tão inconsciente né? No fundo eu e você sabemos que você sabe dessas coisas todas! – e baixinho sussurrou: Mais tens mais preguiça que bicho-preguiça, não é mesmo?
Aquela voz estava me dando nos nervos! Quem era ela para invadir o meu espaço, o meu mundo, mundo meu, das pequenas e maravilhosas coisas, detalhes que só eu enxergava e questionar minhas limitações?
- Já que insiste em não insistir em você, eu digo: sou a Luiza, sua grande amiga que dividiu com você momentos de grande importância.
- A Luiza? Que Luiza?
(Eu realmente parecia não me lembrar de nenhuma Luiza.)
- É que você adora ficar sozinha sabe. Na verdade, Rê, você gosta de falar isso por ai. Mas você não gosta não, você gosta mesmo é de gente. E não me venha com Luiza não hein, que você sempre me chamou de Lu. E me encheu de carinhos. E de uns desagrados desnecessários. Mas passou, confesso. O que acontece é que eu sei dessas coisas todas porque resolvi não vir pra cá sabe, achei isso tudo muito radical. Essa coisa de tratamento intensivo, reclusão social, achei muito ‘capital’. Preferi abrir os olhos e enxergar o que já estava posto nu na minha frente. E você quase conseguiu também. Mas veio aquela história de alma artística e te deixou pra baixo de novo....
Alma artística? Pra baixo de novo? Acho que estava conhecendo um lado meu que antes não imaginaria. Eu estava tão atordoada que sentia meu coração acelerar como o de uma lebre. De fato, realizei que primeiro precisava me acalmar. Luiza falava com tanta convicção que me peguei acreditando naquelas coisas todas de ela e de mim.
- Então me conte mais da minha alma artística...
- Então, foi aquela sua que te acompanhou por toda a sua vida, meneando a sua cabeça pra baixo e te deixando em constante frustração. Você nunca quis abandoná-la mas eu sempre percebi que tinha algo errado. Você gostava muito de sofrimento sabe? Era estranho pra burro porque você tinha um sorriso e tanto... Mas ai que você foi levando a vida nessa ‘alma artística’ e não parou de sofrer. E esqueceu de viver. E te deram um tratamento intensivo pós-vida. Ou pós-morte, acho que dá no mesmo essa denominação né? – e soltou um riso arcaico de canto de boca a dar calafrios na minha espinha-.
E foi nessa hora que eu não pude me conter. Quer dizer que eu estava morta? E que havia alguém me mandando pra um tratamento intensivo pós-vida (ou seria pós-morte)? Essa é alguma espécime de psicologia do paraíso? Ou eu estou no inferno?
Milhões de perguntas borbulharam na minha mente e eu simplesmente não podia agüentar o que meu coração sentia. Ou será que eu nem tinha mais meu coração? Será que eu ainda tinha a mim?
E num instante de esperteza, eu reparei que toda a conversa ocorrera sobre a cama, enquanto ‘Luiza’ sentada aos pés dela, conversava me olhando deitada com a cabeça próxima a cabeceira. Esperei que ela desviasse o olhar ao redor e fui, num pulo urgente, fora da cama e derrubando todos os móveis e brinquedos empilhados, causando um baita de um desastre. Correndo o mais rápido que pude, avistava a porta do Elevador distante, e o medo e a curiosidade do depois já eram tão grandes que nem cabiam em mim. Aliás, de que mim é esse que eu estou falando?

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